23 April 2007

A Scanner Darkly, de Richard Linklater



Richard Linklater é um realizador curioso. Tanto assina filme de culto, como cede aos cânones de Hollywood. São as regras da sobrevivência na indústria mais poderosa do mundo. Mesmo assim, os seus projectos pessoais valem mais do que os esforços para equilibrar o orçamento. No Indie Lisboa passou o seu trabalho mais recente, A Scanner Darkly, um projecto que mistura a linguagem tradicional do cinema e as potencialidades da animação, na mesma linha de Waking Life. Essa componente híbrida é, de resto, um dos aspectos mais interessante do filme, na medida em que explora até ao limite as características intrínsecas do medium que utiliza. Uma das questões centrais do filme – quem é quem ou quem se esconde por detrás da máscara – só é possível através do uso da animação. Através dela o protagonista vai construindo (e perdendo) a sua identidade, pensado ser uma coisa, acreditando ser outra, confundindo as duas. Outro aspecto forte do filme é o argumento, do próprio Linklater, adaptação de um livro de Philip K. Dick. Bem ao seu estilo, o escritor norte-americano projecta, num mundo não muito distante, uma sociedade tiranizada pelo consumo de drogas – a substância D (de dependência, desistência, desconsolo, de morte, death, em inglês) – e por uma grande empresa – a Novo Caminho. Apesar de ocultos pela animação – o filme foi rodado normalmente, durante sessenta dias, e depois ‘animado’ em computador, ao longo de um ano – há alguns actores que se destacam. Sobretudo Woody Harrelson e Robert Downey Jr, extraordinários na recriação de um viciado. Dirigido muito provavelmente a um público reduzido, A Scanner Darkly é, a par de 300, de Zack Snyder (rodado na íntegra em estúdio), uma antevisão das possibilidades e dos riscos que atravessa o cinema contemporâneo.

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