09 May 2007

Tríptico III

Sentiu aquilo que se costuma dizer que existe. Tinha chegado o seu momento. Sabia-o. Depois de tantos lamentos, sofrimentos, auto-comiseração e pena de si próprio, podia afirmar aquilo que sempre sonhara. Um ser galante, «Hello, darwling», destemido, «You talkin' to me?», carismático, «Borges, Jacinto Borges». No meio de tanta excitação, não reparou que levava vestido o plano quinquenal de prendas de Natal da sua avó. Um par de meias, «para o Inverno», em 2002, umas cuecas-boxer, «para experimentares», em 2003, umas pantufas com os dedos recortados, «são tão giras», em 2004, um pijama de seda, «porque mereces», em 2005, e um roupão, «já és um homem», o ano passado. Sentia-se bem. Confiante. Subiu as escadas com fé na reputação futura, já à espera do telefonema da sua colega de carteira, quando esta visse a sua cara no jornal. «Oh supremo Deus que governas a Terra e o Céu», dizia, «dai-me a glória eterna». No meio dessa agitação não reparou que porta se abriu e que uma arma apareceu do nada. A polícia ainda investiga o caso.

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