01 May 2007

Balaou, de Gonçalo Tocha

Independente mais independente não há. E surpreendente também. Balaou, o primeiro filme de Gonçalo Tocha, que apenas ambicionava ser um dos seleccionados do Indie Lisboa, arrecadou os principais prémios da competição nacional: melhor fotografia e melhor filme. Um distinção que premeia, por um lado, o espírito do festival, a total independência face a qualquer tipo de indústria, e, por outro, a autenticidade, a entrega e a ousadia do projecto.
Sete meses depois da morte da sua mãe, Gonçalo Tocha partiu para os Açores. Precisava de parar, reencontrar as suas raízes, a família, especialmente a sua tia-avó de 91 anos. No fundo, ver o mundo tal como a sua mãe o vira: de uma ilha para o continente, de uma comunidade para uma família, da vida para a doença. Levou consigo uma câmara de filmar, sem grande intenções, e começou a captar imagens. Os primos recém-nascidos, as conversas sobre o passado e o futuro, as paisagens e os suspiros.
É nesta deambulação um pouco claustrofóbica que o acaso lhe indica o caminho. Um casal de franceses, que todos os anos cruzam o oceano Atlântico de barco, entre as Caraíbas e a Europa, convida-o para uma viagem de «regresso». De regresso ao quotidiano e à vida. Um regresso a si próprio. Mas Gonçalo não chegará o mesmo. A bordo do Balaou o jovem realizador, nascido em Lisboa, em 1978, e com formação em Língua e Cultura Portuguesa, interioriza lições marítimas que se aplicam em terra firme. E que aos poucos se tornarão bússolas para os dias que hão de vir.
Oscilando planos fixos e a câmara ao ombro, retendo longamente a flutuação das ondas ou a luminosidade do céu, Balaou apresenta-se como um filme iniciático, dividido em oito lições, tantas quantas as jornadas da viagem. Pessoal e universal, íntimo e transmissível, Balaou faz da catarse esperança, envolvendo o espectador numa aprendizagem que se faz interiormente.
Mais do que premiar um grande filme – Balaou tem as suas limitações, a principal é a opção pela narração que, gravada posteriormente, introduz um elemento de artificialidade num filme em tudo o resto autêntico – o júri distinguiu uma atitude. Porque tanto faz que seja a vida a imitar a arte, ou a arte a imitar a vida, desde que, no meio disso tudo, esteja lá uma câmara pronta para filmar.

Publiquei isto aqui, onde estão mais críticas sobre o Indie Lisboa.

2 comments:

JAC said...

formado no meu ex curso... gosto mesmo é da malinha com as garrafinhas. Tenho de ver :)

Filipe Pedro said...

O Indie de verdadeiro espírito independente tem muito pouco. No entanto, o Balaou é uma das agradáveis excepções. O estilo é cru e intimamente pessoal, quase como se estivessemos a ler um diário. Tal como houve edição de imagem, também o som (excepto naquele momento em que o microfone estava desligado inadvertidamente) foi alvo de edição. A banda sonora, locução e pós-produção áudio são elementos fulcrais neste documentário experimental. Talvez lhe tirasse quase 20 mins de duração, mas não me atreveria a mexer no texto e na respectiva locução do Gonçalo, uma vez que esses elementos é que definem o estilo do filme. Dois prémios justíssimos num dos melhores filmes experimentais feitos em Portugal. O Indie excedeu-se, mas esperemos que repita a façanha em 2008.