03 May 2007

Tríptico II

O que ouviu, em primeiro lugar, foi o tiro. E depois o som de alguém a cair no andar de cima. Sentiu um frenesi tremendo. Uma adrenalina só comparável ao dia em que pediu em namoro a sua colega de carteira. Após muito silêncio, muita conversa não verbal totalmente incompreendida, muita hesitação, lá conseguiu dizer: «Queres?». «O quê?», perguntou-lhe ela, desenvolta. «Queres…?» «O quê? Estás parvo?». A deixa animou-o. «É agora», pensou. «Não, estou apaixonado por ti. Queres namorar comigo?». «Claro que não. Não estás parvo, estás é maluco…» Levou anos a recuperar do choque, numa penitência celibatária que levantou sérias dúvidas na sua família. Mais tarde, substituiu a derrota pelo conformismo. A vida, a ser qualquer coisa, era esse nada que se erguia todos os dias com ele da cama. Nada mais a esperar. Mas hoje tudo parecia diferente. «Queres ajuda?», disse de si para si. «Desta vez não aceito uma recusa. Aqui vou eu, sejas lá quem fores.». Ergueu-se ainda de pijama e saiu de casa para um admirável mundo novo.

1 comment:

md said...

Espero que tenha saído de pijama... Sigo atentamente as deambulações do rapaz, beijinhos.