28 May 2007

Não brinquem com o zé

É curioso, talvez um sinal dos tempos, sem dúvida alguma vergonha da casa que lhes dá sustento. Ou será apenas marketing, como dizem? Já repararam que os partidos políticos andam a renegar as suas origens, isto é, as suas cores de referência. O PSD está verde, talvez de esperança; o PS de azul, talvez de inveja; e o BE irreconhecível, sobretudo com a frase: O zé faz falta! As eleições para a Câmara Municipal de Lisboa prometem.

24 May 2007

Feiras do Livro

A festa da literatura está de volta. As Feiras do Livro de Lisboa e Porto abrem hoje, prolongando-se até 10 de Junho. Contacto com escritores, sessões de autógrafos, descontos, conferências ou um simples passeio são razões suficientes para sair de casa.

Grande serviço público

Paulo Portas, líder do CDS-PP, vai pela segunda vez ao programa Grande Entrevista, da RTP, num espaço de dois meses. O serviço público não tem mais ninguém para entrevistar? É assim que se cria o mito de grande orador. Com tantas oportunidades, é natural que a sua mensagem passe.

22 May 2007

Nelson de Matos Edições

Nelson de Matos vai lançar, em Outubro, um novo projecto editorial com o seu nome. «Creio que ainda há espaço para algum trabalho quer na área da Literatura portuguesa, que sempre me interessou, quer no âmbito de textos mais vocacionados para a intervenção, para a actualidade e para a História recente de Portugal», afirmou o editor ao JL (ver edição de amanhã). Os primeiros volumes devem chegar às livrarias a tempo da rentrée, caso contrário, o lançamento será adiado para inícios de 2008. A aposta inicial das Edições Nelson de Matos é numa «estrutura pequena que crescerá à medida do espaço que o mercado lhe for concedendo». Para isso, já têm assegurado distribuidor, gráfica e designer. E uma certeza: «Há muita coisa para acontecer nesta área do livro». Veremos que futuro terão as editoras independente na era do capital do livro.

Informações gentilmente cedidas por MJM.

21 May 2007

Descubra as diferenças



Dar a cara, às vezes

Escrevi aqui sobre a candidatura de Telmo Correia à liderança da bancada parlamentar do CDS-PP. Defendia que o deputado gostava da ribalta, mas sempre atrás do seu chefe de fila, Paulo Portas. Agora, avança para a Câmara Municipal de Lisboa. Vamos ver o que vale eleitoralmente. E o desafio é grande. Uma derrota dará a dimensão do político. Uma vitória poderá apagar a triste prestação no congresso que ditou a eleição de Ribeiro e Castro.

TPC

Trabalho para o próximo campeonato: reavaliar os meus prognósticos.

16 May 2007

Festival de Cannes


My Blueberry Nights, de Wong Kar-wai, é o filme de abertura do Festival de Cannes, que este ano celebra a 60.ª edição. A primeira incursão do realizador chinês por sólos americanos, interpretada por Norah Jones (sim, ela própria, a cantora) e Jude Law, encabeça uma competição de luxo: fitas de Andreï Zviaguintsev, Christophe Honoré, David Fincher, Denys Arcand, Emir Kusturica, Gus van Sant, Joel & Ethan Coen, Kim Ki-duk e Quentin Tarantin, entre outros.

Foto de Macall Polay/Jet Tone Films

Lisboa: cidade perdida


Ou muito me engano, ou as eleições intercalares para a Câmara Municipal de Lisboa podem desembocar num autêntico «pântano político», para usar uma frase conhecida. O resultado parece-me imprevisível. Ninguém, na verdade, estava preparado para este sufrágio. Esperemos pelas propostas, mas por enquanto o cenário é mau.
Para o PS, mais do que uma eleição, trata-se de um referendo ao Governo. A escolha de António Costa assim o indica.
Para o PSD, cuja voz mal se consegue ouvir, é um teste, provavelmente fatal, à liderança de Marques Mendes. E a escolha atribulada de Fernando Negrão é um prenúncio.
O CDS está numa bela alhada. A apresentação tardia de um candidato mostra o pânico que deve estar a bater à Porta, passe o trocadilho, do Largo do Caldas. Não deixa de ser engraçado que, após a apressada eleição do Paulinho das Feiras, o partido esteja à beira do segundo desaire: primeiro na Madeira (em que passou a ser a quarta força política) e agora em Lisboa.
O Bloco de Esquerda tem em Lisboa um momento decisivo. Também este escrutínio será um referendo ao estilo de vereação impresso por José Sá Fernandes.
Nestas contas talvez só o PCP esteja mais desafogado. Partido essencialmente autárquico, pelo menos ao nível de resultados e de expressão política, os comunistas têm obra feita e experiência acumulada. Ruben de Carvalho não entusiasma novos eleitores, mas também não desilude os militantes e simpatizantes.
Carmona Rodrigues e Helena Roseta jogam as suas últimas cartadas políticas. Com uma derrota, perdem para sempre a popularidade política de que gozam actualmente. Com uma vitória, acentuam a desconfiança em relação aos partidos políticos.
Mas quem ficará seguramente a perder é Lisboa. Nos próximos dois anos pouco se fará pela cidade. A capital estará em suspenso, a tratar de problemas financeiro, até que as eleições autárquicas de 2009 estabeleçam definitivamente a regularidade camarária.
O Tejo e as colinas mereciam melhor sorte.

A Lula e a Baleia, de Noah Baumbach



Um dos melhores filmes que vi nos últimos anos. Pena tê-lo visto tão tarde. A Lula e a Baleia devia ser obrigatório na Escola Primária. Toxic Parents - todos temos. Problemas de identidade - também. E baleias com pouco respeito pelos outros, mesmo se estiverem envolvidos muitos tentáculos - muito frequentemente. Claro que isto diz pouco do filme. Mas não interessa. Só vendo. Só sentindo. Só recordando. Tentemos uma aproximação, no entanto. Um casal decide finalmente separar-se. Ele é escritor, falhado. Ela escritora, à beira do sucesso. No meio da tempestade em que esta situação os arrasta ficam os dois filhos. O mais velho, adolescente. O mais novo, a sair da infância. Uma crise familiar filmada com extrema sensibilidade e fina ironia, relatando situações que, apesar de concretas, são em tudo universais. A custódia dividida, os amantes que surgem pelo caminho, as ideias feitas, maternas e paternas, boas e más, os sonhos desfeitos. Excelente. Para ver e rever. Em todas as idades.

15 May 2007

Depressão cinematográfica


É oficial: Lars von Trier está deprimido e não filma, noticia hoje o Diário de Notícias, citando o jornal Politiken. Incapaz de se concentrar, o realizador dinamarquês não sabe quando voltará a trabalhar. «Esta situação pode durar alguns anos até ficar resolvida, ou pelo menos é o que me têm dito», adianta. Em preparação estava Antichrist, uma fita de terror sobre um mundo criado por Satanás. Mas «não é possível fazer um filme e estar deprimido ao mesmo tempo», afirma. Von Trier diz que, a certa altura, tudo lhe pareceu «uma folha de papel em branco». E acrescenta: «Isto é muito estranho para mim porque sempre tive pelo menos três projectos na minha cabeça ao mesmo tempo».

Notícia original aqui. Foto de Thomas Borberg

Que expectativas?

Era uma publicidade curiosa. Em cima, dizia: Supere as suas expectativas. Em baixo: Fumar prejudica gravemente a sua saúde.

13 May 2007

O Eco de Pombal

O Eco de Pombal comemora, este mês, 75 anos de existência. Um feito notável no actual panorama da imprensa regional. Além da edição em papel, todas as quintas-feiras nas bancas, o jornal dirigido por Paula Sofia Luz tem ainda um site na Internet, com actualizações regulares. Um exemplo de quem procura dar qualidade ao «maior jornal da nossa rua».

Primeira Liga

Está tudo em aberto, como antigamente, no campeonato português. E ainda bem. É bom ver futebol assim. Disputado até ao último minuto. Parece-me, porém, que o Benfica leva vantagem. Não tem um jogo difícil (Académica em casa). Não tem nada a perder. E tem uma equipa experiente. Sabe lidar com a ansiedade. Vamos ver o que nos reserva o próximo domingo.

11 May 2007

Separados à nascença



Vi esta semana Os Outros, de Alejandro Amenábar, que saiu com o Expresso. Lembrou-me O Sexto Sentido, de M. Night Shyamalan. Dois bons filmes (nada mais, nada menos), com dois bons actores (por vezes mais, por vezes menos), que só têm um problema: não sobrevivem a um segundo visionamento. Tudo se perde depois de descoberto o enigma. E isso diz tudo de um filme.

A Casa dos Encontros, de Martin Amis

A Casa dos Encontros, o último romance de Martin Amis, acaba de chegar às livrarias portuguesas. A edição é da Teorema, que já publicou O Comboio da Noite; Água Pesada; Money e O Cão Amarelo, entre outros. O escritor inglês regressa ao ambiente de Koba, O Terrível para descrever a vida nos Gulags russos, durante a liderança de Estaline. Vidas destroçadas por guerras e prisões, esperanças e derrotas, num triangulo amoroso que esconde um destino: dois irmãos apaixonados pela mesma mulher. O romance adopta a forma epistolar, uma longa carta dirigida à enteada do narrador. Passado e presente cruzam-se tendo em vista a caracterização das causas da decadência dos povos russos. Em pano de fundo, o assalto à Escola N.º 1 da Ossétia do Norte pelos rebeldes tchetchenos. Em pano de memória, os confins do árctico. No agora, um sofrimento que tarda em desaparecer.

Cabeça de esquerda

Foi o que faltou a Ségolène: usar a cabeça. Como aqui.

10 May 2007

Novos Mundos


A Nasa acabou de divulgar imagens do planeta mais quente até agora descoberto fora do Sistema Solar. Mais informações aqui.

09 May 2007

The Fountain, de Darren Aronofsky



Foi discreta a passagem de The Fountain, a última longa-metragem de Darren Aronofsky, pelas salas portuguesas, depois de ter recebido honras de fecho no Fantasporto. Mas a verdade é que o filme desilude, sobretudo quando visto na sequência do estimulante Pi (1998) e do inesquecível Requiem for a Dream (2000). Faltam as imagens de marca da sua realização, o ritmo inebriante da história e aquele universo pessoal e reconhecível oferecido nas fitas anteriores. Resta-nos a sobreposição engenhosa de três registos, três versões da mesma história em três épocas diferentes: num presente dominado pela ciência, num passado regulado pela fé e num tempo suspenso de vida baseado na esperança. Esperemos pelos já anunciados Black Swan, em 2008, e The Fighter, em 2009.

A TV do futuro?

A RTP iniciou uma parceria com o site YouTube com o objectivo de facilitar o acesso a alguns dos seus melhores programas, como o Gato Fedorento, Sempre em Pé, ou 50 anos, 50 notícias. Para ver aqui.

Tríptico III

Sentiu aquilo que se costuma dizer que existe. Tinha chegado o seu momento. Sabia-o. Depois de tantos lamentos, sofrimentos, auto-comiseração e pena de si próprio, podia afirmar aquilo que sempre sonhara. Um ser galante, «Hello, darwling», destemido, «You talkin' to me?», carismático, «Borges, Jacinto Borges». No meio de tanta excitação, não reparou que levava vestido o plano quinquenal de prendas de Natal da sua avó. Um par de meias, «para o Inverno», em 2002, umas cuecas-boxer, «para experimentares», em 2003, umas pantufas com os dedos recortados, «são tão giras», em 2004, um pijama de seda, «porque mereces», em 2005, e um roupão, «já és um homem», o ano passado. Sentia-se bem. Confiante. Subiu as escadas com fé na reputação futura, já à espera do telefonema da sua colega de carteira, quando esta visse a sua cara no jornal. «Oh supremo Deus que governas a Terra e o Céu», dizia, «dai-me a glória eterna». No meio dessa agitação não reparou que porta se abriu e que uma arma apareceu do nada. A polícia ainda investiga o caso.

Assim

Chegaram, estacionaram o carro e foram-se embora. Nem cinco minutos depois, o eléctrico por ali não conseguiu passar. Portugal é um bocado assim.

E assim também

Não conseguindo passar, saíram do eléctrico, reuniram forças, pegaram no carro junto à roda, afastaram-no para a direita e seguiram caminho. Portugal é um bocado assim também.

08 May 2007

Peregrinos Séc. XXI

São muitos os caminhos que os peregrinos percorrem até chegarem a Fátima. Os do repórter da Rádio Renascença podem ser acompanhados aqui. Textos, fotografias e vídeos de uma tradição que continua a ser o que era.

I'm back...

... to the Matrix. Texto entregue, pronto a sair das rotativas. Regresso à vida.

07 May 2007

Sinos e cabeças

Disseram-lhe que tinha cabelo à boca-de-sino. Ele, indignado, abanou a cabeça. Que não tinha. Enquanto nisto penava, deram as doze badaladas.

04 May 2007

Relatório minoritário

Acordar. Escrever. Almoçar. Escrever. Jantar. Escrever. As refeições não estão garantidas. A escrita sim. Os dedos não se queixam. Eu também não. A emissão prossegue dentro de momentos. A culpa é dele.

03 May 2007

Sextante Editora

A Sudoeste Editora, de João Rodrigues, vai mudar de nome. A partir deste mês de Maio passa a chamar-se Sextante Editora. A alteração é justificada pela necessidade de «evitar confundibilidade com outras marcas existentes no mercado português». As próximas novidades, Terra, de Jorge Reis Sá, Em Xeque, de Berta Marsé, e Cornos da Fonte Fria, de Abel Neves, vão chegar às livrarias já com o novo logótipo e a nova designação.

Riga

Foto de .j.

Tríptico II

O que ouviu, em primeiro lugar, foi o tiro. E depois o som de alguém a cair no andar de cima. Sentiu um frenesi tremendo. Uma adrenalina só comparável ao dia em que pediu em namoro a sua colega de carteira. Após muito silêncio, muita conversa não verbal totalmente incompreendida, muita hesitação, lá conseguiu dizer: «Queres?». «O quê?», perguntou-lhe ela, desenvolta. «Queres…?» «O quê? Estás parvo?». A deixa animou-o. «É agora», pensou. «Não, estou apaixonado por ti. Queres namorar comigo?». «Claro que não. Não estás parvo, estás é maluco…» Levou anos a recuperar do choque, numa penitência celibatária que levantou sérias dúvidas na sua família. Mais tarde, substituiu a derrota pelo conformismo. A vida, a ser qualquer coisa, era esse nada que se erguia todos os dias com ele da cama. Nada mais a esperar. Mas hoje tudo parecia diferente. «Queres ajuda?», disse de si para si. «Desta vez não aceito uma recusa. Aqui vou eu, sejas lá quem fores.». Ergueu-se ainda de pijama e saiu de casa para um admirável mundo novo.

A não perder

Já vi quase todos os filmes de Jia Zhang-Ke (n. 1970, Fenyang, China). E não vou perder este.

Banco (pouco) Mundial

Continua a saga da ilícita promoção da namorada do presidente do Banco Mundial, Paul Wolfowitz, nomeado após forte pressão de George W. Bush. Onde quer que trabalhe, o estratega da Guerra do Iraque cria sempre situações explosivas. O mais interessante, para exemplo das democracias modernas, é a forma como tudo isto está a ser discutido. É a honra dos próprios funcionários que está em causa. E eles são os primeiros a querer o assunto esclarecido. É por isso que todas as informações estão disponíveis aqui. Era bom termos um escrutínio semelhante nas nossas nomeações (e promoções) governamentais e camarárias.

Dar a cara, mas nem sempre

Sinceramente não percebo. Telmo Correia foi eleito, por unanimidade, líder da bancada parlamentar do CDS-PP, como se pode ler aqui. Sinceramente não percebo como é que alguém que viveu sempre na sombra do seu chefe, leia-se Paulo Portas, e que perdeu um congresso conquistado à partida, e que agiu constantemente mais por interesse próprio do que por interesse colectivo, pode continuar a estar na primeira linha da política portuguesa. Alguns chamam-lhe táctica, outros realpolitik. Eu só me lembro do Conde d'Abranhos, o tal que queria ser ministro.

02 May 2007

A queda do mito


Caiu o mito do treinador invencível. Ainda bem. Talvez assim o futebol possa voltar a ser o que era. Jogado com fair-play, livre das contratações milionárias e apenas um desporto. Ver notícia aqui.

01 May 2007

1.º de Maio


Vale sempre a pena recordar. Sempre.

Tríptico I

O problema estava dentro de si. Sabia-o. Arrastava a sua existência numa monótona agonia. Sem querer nada em especial, desejando tudo ao mesmo tempo. Saía de casa sem propósito, sem vontade até. Mas saía. Algo decidia por si. Primeiro para comprar o jornal, que nunca lia, depois para um café matinal, que nunca lhe fazia bem. Deixava-o indisposto. Seguia-se a deambulação diária sem destino. O centro comercial, para não apanhar sol, ou chuva, o argumento servia nas duas circunstâncias, as ruas do bairro, para ficar a conhecer as novidades da vizinhança, e a baixa, ao final do dia, para sair da rotina. Mas naquele dia não fez nada disso. Deixou-se ficar deitado. Não havia motivos para obedecer à vida que não escolhera. Além do mais, estava farto. «Merda», dizia a cada cinco minutos. «Merda», gritava interiormente, num monólogo que continuava a longa conversa que mantinha consigo mesmo. Só não sabia que tão involuntária opção, como involuntária teria sido a de se levantar, tomar banho, comprar o jornal e passear, iria mudar completamente a sua vida.

Balaou, de Gonçalo Tocha

Independente mais independente não há. E surpreendente também. Balaou, o primeiro filme de Gonçalo Tocha, que apenas ambicionava ser um dos seleccionados do Indie Lisboa, arrecadou os principais prémios da competição nacional: melhor fotografia e melhor filme. Um distinção que premeia, por um lado, o espírito do festival, a total independência face a qualquer tipo de indústria, e, por outro, a autenticidade, a entrega e a ousadia do projecto.
Sete meses depois da morte da sua mãe, Gonçalo Tocha partiu para os Açores. Precisava de parar, reencontrar as suas raízes, a família, especialmente a sua tia-avó de 91 anos. No fundo, ver o mundo tal como a sua mãe o vira: de uma ilha para o continente, de uma comunidade para uma família, da vida para a doença. Levou consigo uma câmara de filmar, sem grande intenções, e começou a captar imagens. Os primos recém-nascidos, as conversas sobre o passado e o futuro, as paisagens e os suspiros.
É nesta deambulação um pouco claustrofóbica que o acaso lhe indica o caminho. Um casal de franceses, que todos os anos cruzam o oceano Atlântico de barco, entre as Caraíbas e a Europa, convida-o para uma viagem de «regresso». De regresso ao quotidiano e à vida. Um regresso a si próprio. Mas Gonçalo não chegará o mesmo. A bordo do Balaou o jovem realizador, nascido em Lisboa, em 1978, e com formação em Língua e Cultura Portuguesa, interioriza lições marítimas que se aplicam em terra firme. E que aos poucos se tornarão bússolas para os dias que hão de vir.
Oscilando planos fixos e a câmara ao ombro, retendo longamente a flutuação das ondas ou a luminosidade do céu, Balaou apresenta-se como um filme iniciático, dividido em oito lições, tantas quantas as jornadas da viagem. Pessoal e universal, íntimo e transmissível, Balaou faz da catarse esperança, envolvendo o espectador numa aprendizagem que se faz interiormente.
Mais do que premiar um grande filme – Balaou tem as suas limitações, a principal é a opção pela narração que, gravada posteriormente, introduz um elemento de artificialidade num filme em tudo o resto autêntico – o júri distinguiu uma atitude. Porque tanto faz que seja a vida a imitar a arte, ou a arte a imitar a vida, desde que, no meio disso tudo, esteja lá uma câmara pronta para filmar.

Publiquei isto aqui, onde estão mais críticas sobre o Indie Lisboa.

Pontes e margens

«Não havia ponte, mas mesmo assim chegou ao outro lado. Naquele rio não havia margem para dúvidas», lembrou o rapaz.

O jovem Fassbinder


Fassbinder realizou três curtas-metragens, antes de se lançar nas longas, com O amor é mais frio do que a morte. Da primeira, The night, não existem cópias. As restantes surgiram depois do jovem dramaturgo, bastante conhecido na altura, ter reprovado na candidatura à Academia de Cinema de Berlim. O que mais surpreende nestes trabalhos de formação, que passaram recentemente na Cinemateca, integrados numa retrospectiva completa, é a sua maturidade.
Filho de pais separados, Fassbinder habituou-se a ir ao cinema muito cedo, sobretudo com o pai, que vivia em Colónia. Era capaz de ver vários filmes seguidos, em particular os gangsters norte-americanos, que faziam as delícias de quem queria escapar ao já monolítico mainstream de Hollywood. É esse universo, que também foi decisivo para a Nouvelle Vague francesa, e para realizadores tão importantes como Godard, que ressoa nestas duas experiências de dez minutos cada. Mais na segunda do que na primeira, já que esta foi feita em resposta a O Signo de Leão, de Eric Rohmer, filme que Fassbinder gostava muito. Mas vejamos (salvo seja, claro).
Em O Mendigo (1966), um sem-abrigo vagueia pelas ruas de Munique. O ambiente urbano é mostrado logo de início, com um longo plano-sequência que capta os eléctricos a partir, a agitação dos carros, a correria dos transeuntes que rumam a casa no final de mais um dia. Na madrugada seguinte, escondido numa paragem, com uma garrafa vazia ao seu lado, o mendigo vive a solidão da sua existência. Sem destino, encaminha-se para um parque. É nessa trajectória que descobre, no chão, uma pistola. A vida, com a proximidade da morte, ganha um novo sentido. E a concretização dessa possibilidade de vida e de morte anima-o. Mas o acto terá de ser bem feito. Cuidado. Estudado. Meticuloso. Mas a um mendigo nada mais resta do que ser malogrado. Frustrado. Roubado. Destituído de esperança. E em jeito de paródia, duas pessoas que surgem do nada roubam-lhe a pistola. Nem ir desta para melhor é permitido a um mendigo.
A fita seria recusada pelo Festival de Oberhausen, na altura a mais importante mostra de curtas-metragens do mundo, e uma comissão de avaliação não lhe atribuiu o certificado de qualidade que asseguraria ao realizador descontos nos impostos. «Recusar a coisa quase racista que é um certificado de qualidade a um filme tão bem enquadrado e montado como este, num país cuja produção cinematográfica era insignificante», escreve António Rodrigues na folha da Cinemateca dedicada ao filme, «é mais uma prova de que há momentos em que a renovação do cinema só pode ser feita através de alguma violência ou alguma marginalidade». Foi esse o caminho de Fassbinder. «Esta primeira curta-metragem não foi uma experiência, nem uma tentativa, foi uma afirmação.»
Poucos meses depois, Fassbinder realizou O pequeno caos (1967), esta sim uma autentica história de gangsters, como será a trilogia O amor é mais frio do que a morte (1969), Os deuses da peste (1969) e O soldado americano (1970). Outra vez com Munique em pano de fundo, três amigos procuram desesperadamente dinheiro. Tocam às campainhas, entram em prédios, batem às portas, tentam vender assinaturas de revistas, mil e uma artimanhas sem resultado. A única solução é assaltar alguém desprevenido. E é isso que fazem. A realização e a montagem são, aqui, mais ritmadas, com a utilização do plano e contra-plano. Quem bate à porta, que está do outro lado, quem quer vender, quem recusa comprar. A curta acaba com uma sequência extraordinária, e contamo-la, tal como nos alongámos no filme anterior, porque ambos raramente passam nas salas portuguesas. Depois do assalto bem sucedido, e ainda na casa da pobre senhora, Fassbinder, que faz o papel principal, pergunta à única rapariga do grupo: «O que vais fazer com este dinheiro?». Ela responde-lhe: «Não sei, comprar qualquer coisa bonita, um vestido». E, virando-se para o terceiro membro do grupo, um homem, diz: «E tu?». «Talvez um brinquedo para o meu filho.» «E tu?», perguntam os dois. Fassbinder, sintetizando a sua carreira futura, dispara: «Eu vou ao cinema!»

Excertos destas duas curtas-metragens podem ser vistos no site da Fundação Rainer Werner Fassbinder, aqui e aqui.


Ainda a repensar Abril

Tenho acompanhado com interesse a «polémica», se assim se pode chamar, sobre o discurso do Presidente da República nas comemorações do 25 de Abril. O artigo do António Barreto, no Público de Domingo, é uma leitura certeira do que se esconde por detrás da aparente vontade de servir Abril e os jovens. Como a secção opinião não pode ser consultada no site do Público, deixo-vos aqui o essencial:

Quem a tem chama-lhe sua
António Barreto

(...) Nestas festas de comemoração da liberdade, Cavaco Silva nada tinha para dizer. Ou nada queria dizer, o que é bem diferente. Assim, para apesar de tudo não fazer figura de corpo presente, fez o que pôde para ser original. Pôs em causa o sentido e a oportunidade das festas oficiais.
O que é estranho: ninguém aceita um convite para um aniversário para, em casa do anfitrião, discorrer melancolicamente sobre a inutilidade da festa. Socorrendo-se de clichés, falou em nome da juventude, a quem aquela cerimónia nada diria. O argumento é antigo. Mas há qualquer coisa que deixa um incómodo. Não faz sentido querer forjar, ou forçar, a partir do Estado, uma festa jovem, civil e cultural. Esta já se faz. Enquanto houver comunistas, socialistas, gente de esquerda em geral, com mais de umas décadas de idade, haverá festa. É, em boa medida, a festa deles.
As direitas nunca festejaram o 25 de Abril, até por causa do que se lhe seguiu.
Quando um dividido deputado do PSD afirma, como é o caso há anos, que "o 25 de Abril é de todos", está ingenuamente a confessar que de facto não é.
As festas são, numa parte, das esquerdas, que aproveitam o dia para arrasar as direitas, o centro, os governos, os liberais e os patrões. Noutra parte, são dos militares que fizeram a "inesquecível jornada" e que deveriam ter, por gratidão, um belo desfile militar a preceito.
A verdade é que, em todo o país, há, nesse dia, milhares de festas, civis ou autárquicas, quase sempre com o mesmo objectivo: dar voz às reivindicações dos trabalhadores, dos sindicatos, das esquerdas e de alguns intelectuais e artistas. A que não faltam churrascos, bailes e cerveja. Deixem-nas viver, enquanto há, porque é bem possível que, dentro de anos, também o 25 de Abril siga o caminho das praias e dos Centros Comerciais. Quanto ao Parlamento, que produza anualmente aqueles discursos geralmente destituídos de inteligência, novidade ou sentido: dali não vem mal ao mundo. Nem bem.

In Público, de 29 de Abril de 2007